A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) completa 10 anos neste mês com avanços importantes na educação. Dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024 mostram que 91% dos estudantes de 4 a 17 anos com deficiência estão hoje matriculados em classes comuns - em 2013, eram 77%.
Apesar dos progressos, o país ainda enfrenta desafios para garantir a inclusão plena dos 18,6 milhões de brasileiros com deficiência.
Na prática, iniciativas como a do Serviço Social da Indústria (SESI) mostram que é possível transformar políticas em ações efetivas. Em 2024, a instituição destinou R$ 38 milhões para ampliar a educação inclusiva em sua rede, com investimentos em 178 escolas de 23 estados e do Distrito Federal. O aporte garante a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a disponibilização de recursos de tecnologia assistiva para estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades.
O compromisso do SESI com a inclusão está alinhado às diretrizes de integridade e governança promovidas pelo Conselho Nacional do SESI (CN-SESI). A entidade mantém um sistema de governança e conformidade que inclui ações preventivas. Em março deste ano, o CN-SESI atualizou o seu Programa de Compliance e Integridade para incorporar o pilar ESG (Governança, Ambiental, Social e Corporativa), reforçando o compromisso institucional com práticas de diversidade e inclusão em todas as suas esferas de atuação.
“A inclusão de pessoas com deficiência é um elemento fundamental do pilar social do ESG. É nesse sentido que a atual gestão reafirma seu compromisso com o desenvolvimento de políticas, práticas e ações que assegurem igualdade de oportunidades, respeito à diversidade e um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo”, afirma Fanie Ofugi, gerente de Integridade do Conselho Nacional do SESI.
Importância da LBI
Há 10 anos, a LBI (
Lei nº 13.146/2015)
representou uma mudança de paradigma ao compreender a deficiência como resultado da interação entre limitações funcionais e barreiras sociais.
Inspirada na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assegura direitos fundamentais como educação inclusiva, acessibilidade urbana e tecnológica, igualdade de condições no mercado de trabalho e participação política.
Na área da educação, a LBI determinou que o poder público deve garantir um sistema educacional inclusivo em todos os níveis. Isso inclui o atendimento educacional especializado (AEE), formação de professores, oferta de profissionais de apoio escolar e a proibição de cobrança adicional por instituições privadas.
O Anuário Brasileiro de Educação Básica 2024 também aponta crescimento de 14 pontos percentuais na matrícula de estudantes com deficiência em classes comuns, além do aumento da proporção de escolas com salas de recursos multifuncionais - que consiste em mobiliários acessíveis, softwares para comunicação, teclados adaptados, entre outros - que passou de 11% para 27%, no período de 2013 a 2023.
Em 2023, 76% das escolas já contavam com dependências adequadas para esse público e a presença de banheiros adaptados praticamente triplicou, passando de 19% para 51%.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD 2022), estima-se que o Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência com dois anos ou mais, representando 8,9% da população nessa faixa etária. A maior proporção está na região Nordeste, com 10,3%.
Pioneirismo na educação inclusiva
O investimento do SESI em educação inclusiva vai além dos recursos financeiros. A instituição desenvolveu e lançou, em 2023, um documento orientador intitulado "Educação Inclusiva nas escolas da rede SESI", baseado na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
O guia foi construído a partir de estudo, utilizando diferentes metodologias de coleta de dados, como visitas presenciais, entrevistas virtuais, questionários enviados aos gestores dos Departamentos Regionais das cinco regiões do Brasil e análise documental. A pesquisa revelou que 88% dos professores do SESI já tiveram contato com fundamentos legais, históricos e pedagógicos da educação inclusiva, e que a maioria das escolas da rede já possui experiências educacionais inclusivas. Confira aqui o guia completo.
Fala, professor!
Para os educadores da rede SESI, a experiência com educação inclusiva representa um desafio profissional e uma jornada de autoconhecimento e crescimento.
"Ao contrário de outras instituições de ensino, em nenhum outro lugar eu vi uma instituição que tem o tratamento único, levando em consideração quem é o estudante enquanto indivíduo", destaca o professor de Língua Portuguesa do SESI São Bernardo do Campo (SP), Flávio Guillan. Segundo ele, a rede SESI incentiva o uso de instrumentos avaliativos diferenciados, explorando diversas competências e habilidades dos estudantes.
Para o professor de Filosofia, Sociologia e História da rede SESI no ABC paulista, Ary Emygdio de Faria Junior, a inclusão vai além da simples presença física de um aluno em um ambiente. Para o professor, não basta que o aluno esteja inserido ou presente, ele tem que se sentir parte do contexto escolar.
“A gente precisa, primeiro, entender o que é, de verdade, a inclusão. Não é só o aluno estar naquele ambiente, fazer parte da turma. É ele se sentir pertencente mesmo, saber que não está ali por dó ou por compaixão. Ele está ali pra aprender, pra viver aquele processo junto com os outros. Vai ter dificuldades, claro — como qualquer criança —, só que são dificuldades diferentes”, avalia Emydio.
Para a professora de História da Rede SESI, Tânia Ãgohó Ãkirê Pataxó, a inclusão eficaz exige um olhar individualizado e empático para cada aluno, reconhecendo e valorizando suas particularidades neurocognitivas.
“O grande desafio é acessar essa individualidade para que se possa, de fato, promover o ensino de qualidade, a aprendizagem. E esse desafio passa pela nossa formação acadêmica, que não nos prepara exatamente para isso. Mas, ao mesmo tempo, é um desafio bom, porque nos impulsiona, enquanto professores, a buscar esse caminho. E isso nos torna profissionais ainda mais preparados para lidar com a diversidade dos nossos alunos — cada um com sua neurodivergência, mas também com seu individualismo, como ser humano único que é”, afirma a professora.
Acessibilidade integral
Melissa Rafaella de Carvalho Ferreira, de 15 anos, estudante do 9º ano da Escola SESI 416, em São Bernardo do Campo (SP), traz uma perspectiva lúcida e sensível sobre a educação inclusiva. Com mobilidade reduzida e cadeira de rodas, ela destaca que sua escola oferece “bastante acessibilidade”, com estrutura que garante o acesso a todos os espaços, como salas de aula, laboratórios, ambiente de robótica e refeitório.
Para a estudante, no entanto, a inclusão vai além da infraestrutura, envolvendo o lado social, emocional e pedagógico. Para ela, é preciso empatia, conhecimento e ações que façam todos se sentirem parte, que combatam o preconceito e valorizem cada um como é.
Melissa também aponta desafios que ainda enfrenta na rotina escolar. “Adaptar as atividades de educação física é essencial — e isso é um grande desafio, principalmente agora que estou na adolescência. No quesito relacionamentos, sou tímida, e construir amizades é difícil. Mas acredito, sim, que as ações sobre inclusão na escola podem ajudar a criar um olhar mais empático e acolhedor”, aponta.
"A inclusão deve acontecer em cada detalhe, como um olhar afetuoso, uma atividade para todos dentro da condição de cada um", reflete a estudante. "Conhecer para saber como proceder. Isso muda tudo", completa.
Necessidade de mudança cultural
Psicopedagogo e coordenador da educação especial e inclusiva do SESI Bahia, Dalmo Araújo oferece uma visão abrangente sobre os 10 anos da lei. Para ele, a inclusão "começa no coração, mas floresce na ação de todos nós".
Ele destaca que, embora a LBI tenha fortalecido direitos na educação e no trabalho, alguns obstáculos persistem.
"A barreira atitudinal, aquela que se manifesta em olhares de desconfiança, em silêncios constrangedores ou na ausência de uma escuta genuína – continua sendo uma das mais difíceis de romper", avalia. Segundo o especialista, quando uma pessoa com deficiência não é ouvida ou vista em seu ambiente, "ela carrega não apenas a frustração de não ter suas capacidades reconhecidas, mas também um peso emocional profundo: o de sentir que não pertence".
O educador destaca ainda que a inclusão vai além da mera presença física, exigindo que o aluno se sinta ativamente participante e pertencente ao ambiente, sem ser visto com piedade. Dalmo reforça que, embora esses alunos possam ter dificuldades, estas são apenas diferentes das de outras crianças, e o objetivo é que aprendam e participem de forma plena das atividades escolares.
De acordo com o especialista, a inclusão vai além do acesso: "é falar de permanência com qualidade e visibilidade, de oportunidades reais e desenvolvimento pleno, de respeito ao sujeito em suas particularidades e de vozes que devem ser escutadas e validadas".
Para o presidente do Conselho Nacional do SESI, assim como para os professores e estudantes ouvidos na reportagem, os 10 anos da LBI revelam um país em transformação, onde avanços significativos convivem com desafios estruturais ainda presentes. “O crescimento de 14 pontos percentuais nas matrículas inclusivas, aliado à atuação pioneira do SESI na área, demonstra que mudanças são possíveis quando há compromisso institucional e ações articuladas”, finaliza.