O Conselho Nacional do SESI (CN-SESI) promoveu nesta sexta-feira (31) a 1ª Roda de Conversa: "Educação e Inclusão Social em Contextos de Vulnerabilidade", reunindo especialistas, educadores e agentes sociais para discutir os desafios de se levar formação escolar a pessoas em situação de rua e de encarceramento.
O evento ocorreu no mezanino do Centro Cultural da FIESP, em São Paulo, e marcou o lançamento do projeto "O Conselho quer ouvir!", que vai levar a diferentes regiões do país o debate sobre inclusão educacional.
Além de gestores do SESI, pesquisadores e profissionais ligados ao tema, a 1ª Roda de Conversa contou com a participação do Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo.
Desafios estruturais
Na abertura do evento, o presidente do Conselho Nacional do SESI, Fausto Augusto Junior, falou sobre os desafios estruturais da educação no Brasil, entre eles a evasão escolar.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), 8,8 milhões de brasileiros de 18 a 29 anos não concluíram o ensino médio nem frequentam nenhuma instituição de educação básica. No total, 68 milhões de pessoas no país não possuem escolaridade básica.
Para enfrentar essa realidade, o SESI firmou parceria com o Ministério do Trabalho para ofertar 25 mil vagas no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) profissionalizante, integrando qualificação e aumento da escolaridade. "Esse acordo busca criar oportunidades para quem, por diferentes razões, não conseguiu concluir os estudos", afirmou Fausto.
O presidente ressaltou a importância de compreender a evasão a partir dos contextos mais vulneráveis. "Muitos jovens são empurrados para fora da escola por diferentes situações sociais. Entender isso é o primeiro passo para mudar essa realidade. Não podemos deixar ninguém para trás", enfatizou.
De acordo com ele, a análise dessas realidades extremas pode orientar políticas mais eficazes de inclusão educacional. "Estudar os desafios mais críticos nos ajuda a construir soluções para toda a rede de ensino", ressaltou.
Também na abertura, o superintendente do SESI-SP, Alexandre Pflug, destacou as ações do departamento regional na área de educação e elogiou a inciativa da Roda de Conversa.
“Esse é um momento bom de aprendizado, um momento de escuta, para refletir sobre as nossas práticas e, a partir disso, avançar ainda mais naquilo que a gente vem fazendo cotidianamente”, afirmou.
Ensino para populações vulneráveis
O primeiro painel da Roda apresentou algumas experiências educacionais com pessoas em situação de vulnerabilidade, tendo como palestrantes Rossana Ishii Chida e Vânia Lúcia da Silva, respectivamente coordenadora e analista educacional do SESI-SP.
Elas ressaltaram a importância de se respeitar a história de vida dos alunos, sobretudo quando se fala em educação de jovens e adultos, e destacaram a parceria com o SESI nacional, que trouxe a metodologia de reconhecimento de saberes para a Nova EJA.
“A EJA tem a função de reparar socialmente aquilo que foi negado para o exercício da cidadania, a função de equalização de direitos e a função da qualificação profissional”, disse Vânia Silva.
“A gente valoriza e valida esse conhecimento do aluno”, completou Rossana Chida. “A gente traz a possibilidade da educação como transformadora de vida, porque a única coisa que transforma a vida das pessoas ainda é a educação. A educação é extremamente potente para reduzir qualquer tipo de vulnerabilidade, seja a do sistema prisional, seja do morador de rua ou mesmo dos alunos que a gente recebe atualmente”.
Oportunidade e valorização
A segunda mesa abordou a educação para pessoas privadas de liberdade. Um dos palestrantes foi Emerson Rodrigues Sanches, chefe de departamento dos Centros de Detenção Provisória I e II de Guarulhos, para quem os projetos educacionais em unidades prisionais possuem uma dinâmica própria, exigindo adaptações específicas em sua implementação.
“A gente trabalha muito a questão de segurança e disciplina dentro das unidades prisionais. Mas tudo é fruto do que você promove para que isso aconteça. E a educação é fundamental”, afirmou Sanches.
Atualmente, os CDPs oferecem um ciclo completo de educação formal, abrangendo desde os anos iniciais do ensino fundamental até o ensino médio. Além disso, por meio de uma parceria com uma universidade local, a unidade disponibiliza um curso superior de logística na modalidade de ensino à distância (EAD). “A proporção de aceite é gigantesca" relata.
Ele destaca a valorização das pessoas em situação prisional diante da oportunidade de estudar e se qualificar profissionalmente. “Alguns aqui fora não têm a oportunidade que eles estão tendo lá dentro, então eles valorizam muito mais. A intensidade com que eles praticam, a gente percebe que é motivacional. Quanto mais a gente fizer, maior será o retorno”, observa.
Nessa mesa também falaram Gilberto Alvarez, diretor presidente do Instituto PoliSaber; Alexandre Rodrigues Cabrera, superintendente FUNAP; Emerson Bezerra Conceição Junior, professor de Física do cursinho da Poli/FUNAP; e Renato Fonseca, professor de Língua Portuguesa.
Compreender o outro
A terceira e última mesa teve uma explanação do Padre Júlio Lancellotti, que trouxe histórias de seu trabalho junto a populações vulneráveis, entre elas pessoas em situação de rua e de encarceramento.
Ele destacou a necessidade de compreender a especificidade de cada situação ao lidar com essas pessoas, observando que, muitas vezes, a sociedade tenta oferecer soluções imediatas, como a medicalização, sem antes entender a origem do sofrimento.
Para ele, isso não resolve o problema, pois a dor dessas pessoas vai além do físico. “É a dor de estar na rua, a dor de ser negado, a dor de não ter onde urinar, de não ter onde encontrar água, de não ter uma sombra para descansar, a dor de não poder sonhar, a dor de chorar sozinho”, descreveu.
Padre Júlio também chamou a atenção para a importância da convivência como meio de conhecimento e transformação social. “O que é significativo para as pessoas em situação de rua, é para nós? Às vezes estamos falando uma linguagem, eles estão falando outra”, questionou, destacando o distanciamento entre a percepção social e as reais necessidades dessa população.
“Se você não convive, você não conhece. Se você não convive e não conhece, você não ama. Porque o amor é uma forma de conhecimento”, afirmou.
Ele defendeu um processo educativo personalizado, de maneira que cada indivíduo seja visto e ouvido em sua singularidade.
Além disso, ressaltou que o modelo pedagógico atual tende a beneficiar os chamados “melhores”, reforçando desigualdades ao invés de superá-las. Para ele, esse é um dos desafios enfrentados por projetos sociais, promovendo uma educação que atenda às diferentes realidades e necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade.
Construção de caminhos
No encerramento da conversa, o presidente Fausto Junior disse que rodas de conversa como a realizada nesta sexta trazem um acúmulo de experiências que podem se tornar orientadoras de políticas públicas e instrumentos de efetiva transformação social.
“A gente quer ouvir porque a gente quer levar possibilidades e apresentar alternativas. Nossa intenção é olhar a educação para além da sala de aula, construir as pontes para que a sala de aula encontre respostas que muitas vezes ela não tem. Essa é uma experiência que a gente está começando agora, aqui em São Paulo, mas que nós vamos levar para vários estados”, finalizou.