Humanização no futuro da educação é destaque no II Congresso Internacional do SESI em São Paulo

Evento na capital paulista reuniu especialistas nacionais e internacionais; presidente do Conselho Nacional do SESI, Fausto Augusto Junior, participou da abertura

Por: Vanessa Ramos e Robson Gomes
18/09/2024 - 08:29
Humanização no futuro da educação é destaque no II Congresso Internacional do SESI em São Paulo
Educação e futuro juntos: humanização para além do ser humano | Fotos: Karim kahn

O II Congresso Internacional de Educação SESI-SP trouxe à tona nesta segunda-feira (16) questões urgentes sobre humanização e a adaptação do ensino às transformações tecnológicas e sociais do século XXI. O evento segue até esta terça-feira, 17.

Sob o tema “Educação e futuro juntos: humanização para além do ser humano”, o congresso realizado pela Faculdade de Educação do SESI-SP reuniu especialistas nacionais e internacionais, destacando a necessidade de formar cidadãos conscientes e preparados para enfrentar os desafios globais.

O superintendente do SESI-SP, Alexandre Ribeiro Meyer Pflug, abriu o evento destacando o apoio da instituição à educação pública e sua contribuição para o desenvolvimento educacional do país.

“A educação é transformadora. O SESI tem as suas escolas, mas ao mesmo tempo apoia o setor público. Diante disso, o SESI lançou alguns programas, entre eles, Alfabetização Responsável, Recompondo Saberes e o Sem Barreiras. São programas educacionais gratuitos que a gente oferece para municípios do estado de São Paulo”, afirmou Pflug.

O presidente do Conselho Nacional do SESI, professor Fausto Augusto Junior, falou sobre as transformações globais que impactam a educação, especialmente em um país marcado por desigualdades como o Brasil.

Junior relembrou a importância da "educação ao longo da vida", conceito que ganhou força com a Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, em 1990, que reuniu 157 países para discutir políticas internacionais que garantissem educação de qualidade para todas as pessoas, independentemente de idade, origem ou condição social. Ele ressaltou que este princípio continua essencial, sendo uma base sólida para debates educacionais contemporâneos.

Diante de um auditório com professores de diversas instituições, ele abordou os avanços tecnológicos, com foco no impacto da inteligência artificial (IA) generativa na educação. O presidente ressaltou que a IA impõe desafios inéditos, exigindo dos educadores novas abordagens para garantir a qualidade e a integridade do aprendizado.

Além disso, Junior mencionou os desafios ambientais, apontando que desastres naturais, como queimadas e enchentes, atingem de forma mais severa os países mais pobres, exacerbando as desigualdades. Ele exemplificou com as recentes queimadas em São Paulo e as enchentes no Rio Grande do Sul como exemplos das crises globais que precisam ser discutidas no contexto educacional. Segundo ele, a educação deve preparar os cidadãos para enfrentarem esses desafios com responsabilidade e senso crítico.

Transformar as escolas

Junior destacou que a educação ainda não superou as tendências psicologizantes, que acabam por individualizar cada aluno. "Perdemos a escola como um espaço coletivo, com um sujeito coletivo chamado aluno e outro chamado professor", afirmou. Ele observou que os professores, muitas vezes, assumem o papel de "psicólogos" para um grande número de alunos, sem conseguir lidar adequadamente com a carga emocional imposta por essa perspectiva.

Para o presidente, é fundamental garantir o cuidado com a saúde mental dos educadores. "Precisamos criar ambientes de apoio, onde o bem-estar dos professores seja uma prioridade. Isso também é pensar no futuro da educação", ressaltou.

Diante dos problemas de um mundo em constante transformação, Junior acredita que o único caminho é encarar essas mudanças por meio do diálogo e da reflexão coletiva: "Não há outra maneira de enfrentar esse desafio.”


Da esquerda para a direita: Roberto Xavier Augusto Filho (Gerente Executivo de Educação do SESI), Alexandre Ribeiro Meyer Pflug (Superintendente do SESI-SP), Luis Paulo Martins (Gerente de Ensino Superior e Diretor da Faculdade SESI de Educação), e Hugo Nunes (Supervisor de Pós-Graduação da Faculdade SESI de Educação) participaram do evento, que promoveu boas trocas e aprendizados sobre o futuro da educação. | Foto: Vanessa Ramos

No evento, o presidente também prestou homenagem a Paulo Freire, patrono da educação brasileira, que completaria 103 anos na próxima quinta-feira (19).

Freire iniciou sua trajetória no SESI Pernambuco, e seu legado, segundo Junior, segue influenciando a educação no Brasil e no exterior. “Foi a partir do SESI Pernambuco que ele começou sua caminhada. De alguma forma, espero que ele ilumine o nosso Congresso.”

Entre 1954 e 1957, Paulo Freire atuou como superintendente do SESI Pernambuco, período em que consolidou suas ideias sobre educação inclusiva e transformadora.

“Sua passagem pela instituição foi fundamental para o desenvolvimento de sua pedagogia. Paulo Freire é um exemplo de dedicação à educação crítica, transformando a vida de milhões. Suas obras e experiências práticas continuam a inspirar gerações, nos lembrando da importância de uma educação que emancipa e promove cidadania.”, disse.

Neste sentido, o presidente defendeu a urgência de transformar as escolas para que elas acompanhem as mudanças do mundo, promovendo a equidade e oferecendo uma educação mais inclusiva e humanizadora. “A educação por si só não muda a realidade e nem resolve os nossos problemas, mas não mudaremos a realidade sem a educação”, ressaltou.

Luis Paulo Martins, gerente de ensino superior do SESI-SP e diretor da Faculdade SESI-SP de Educação, também compartilhou suas reflexões, destacando a importância do Congresso como uma oportunidade para repensar o futuro da educação.

"Este é um momento para discutirmos não apenas a educação, mas o próprio ser humano em uma perspectiva mais ampla. Ao longo desses dois dias de atividades, refletiremos juntos sobre o futuro que queremos construir, tanto para nós quanto para o mundo, através da educação", afirmou o diretor.

Desafios globais

António Nóvoa, professor do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e titular da Cátedra Unesco Futuros da Educação, abriu o evento com a primeira conferência. Com doutorados em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra e em História Moderna e Contemporânea pela Paris-Sorbonne, Nóvoa também é doutor honorário pela Universidade de Lisboa.

O professor iniciou sua palestra projetando as frases "A Terra é redonda" e "A Terra é finita", fazendo referência a debates que questionam fatos científicos. Em seguida, afirmou: "Esta é a mensagem mais importante que quero compartilhar com vocês: a valorização da ciência e do conhecimento."

Nóvoa propôs três palavras para repensar a escola e o papel dos professores: conhecimento, pertencimento e envolvimento. Esses conceitos, fruto de pesquisas e experiências, fornecem um caminho para a transformação da educação.

O conhecimento envolve destacar a importância da ciência e a convergência das áreas de estudo. Nóvoa defende que as disciplinas não devem ser tratadas de forma isolada, mas sim organizadas em grandes temas transversais, que possibilitem uma aprendizagem mais conectada e significativa para os alunos.

O pertencimento refere-se à ideia de que as escolas precisam criar as condições necessárias para que os estudantes vivam, estudem e trabalhem juntos. É essencial construir um ambiente onde o senso de comunidade e cooperação seja central.

Segundo Nóvoa, "não conseguimos construir nada na escola se a dimensão da cooperação não for central. É hoje a base do trabalho pedagógico."

Já o envolvimento vai além da cidadania nacional, pois, como destaca Nóvoa, "nenhum dos grandes problemas se resolve dentro de fronteiras nacionais, como as alterações climáticas, a questão da inteligência artificial e as comunicações."

Ele argumenta que a educação precisa preparar os alunos para enfrentar desafios globais, promovendo uma cidadania que ultrapasse as barreiras nacionais e os capacite a lidar com questões de escala planetária.

De acordo Nóvoa, os pilares do conhecimento, pertencimento e envolvimento são fundamentais para a educação no século XXI. Ele defende uma abordagem mais colaborativa e integrada, capaz de responder aos desafios globais.

Para o professor António Nóvoa, esses três conceitos são fundamentais para direcionar o futuro da educação. O conhecimento, traduzido pela busca da liberdade ("Sermos livres"), o pertencimento, que fortalece o senso de comunidade ("Não estarmos sós"), e o envolvimento, vinculado à responsabilidade global ("Responsabilidade planetária"), são, segundo ele, elementos cruciais para a formação de cidadãos globais preparados para enfrentar os desafios do mundo moderno.

Desafios aos professores

Em complementação aos três conceitos iniciais, Nóvoa apresentou três novas ideias, sistematizadas em palavras: formação, trabalho e compromisso. Segundo o professor, elas dialogam diretamente com as anteriores, ajudando a responder à pergunta central: "o que é necessário para os professores no contexto atual?"

Ao abordar a formação de professores, Nóvoa disse ser necessário uma mudança radical. Para ele, ainda há desorientação sobre como realizar essa formação de maneira adequada, incluindo a escolha das instituições e das pessoas formadoras envolvidas no processo.

O professor defende que a formação dos docentes deve ser, acima de tudo, uma formação mútua, na qual os professores se formam uns com os outros, por meio do diálogo e do trabalho colaborativo. Segundo ele, "não devemos formar os professores com especialistas de fora", mas sim construir essa formação dentro da própria profissão, fortalecendo a comunidade docente e promovendo uma aprendizagem contínua entre pares.

No que diz respeito ao trabalho, Nóvoa enfatizou a necessidade de transformar o trabalho pedagógico. Ele observou que, nas escolas ao redor do mundo, e talvez com mais intensidade no Brasil, foi criado um conjunto de atividades que muitas vezes foram chamadas de extracurriculares.

Em um primeiro momento, ele reconheceu que isso foi "positivo", no sentido de integrar diferentes experiências e formas de aprendizagem. No entanto, o grande problema dessas múltiplas atividades, segundo Nóvoa, foi que elas promoveram inovações isoladas, sem transformar efetivamente o dia a dia da sala de aula, a estrutura do currículo e o trabalho pedagógico em si.

Ele argumentou que essa mudança exige mais do que a adição de atividades, demanda uma reformulação do modo como os professores trabalham. Para isso, ele destacou que seria necessário sair do “isolamento” e promover uma maior colaboração entre os professores, permitindo a construção de uma nova prática pedagógica integrada.

O terceiro conceito apresentado por Nóvoa foi o compromisso, que ele definiu como a ideia de que os professores, enquanto profissionais públicos, devem ter uma voz e presença pública. Ele defendeu que os docentes precisam ter a capacidade de proposição, isto é, de sugerir e influenciar mudanças nas políticas educacionais e nas práticas pedagógicas, sendo reconhecidos pela sua autoridade profissional.

Nóvoa fez referência ao conceito de auctoritas (autoridade, em latim), para enfatizar que essa autoridade não deve ser imposta, mas sim conquistada, construída e legitimada pela sociedade, reconhecendo o valor e a importância dos professores no desenvolvimento e na formação de cidadãos.

Ao final, o professor relacionou as seis palavras apresentadas, destacando que "a escola talvez seja a única instituição que ainda nos resta para sermos capazes de viver em comunidade, para tentarmos resgatar a dimensão do comum".

Ele ressaltou que vivemos em sociedades fragmentadas, em tempos dramáticos, marcados por intolerância e ódio, agravados pela dinâmica das redes sociais que acentuaram essas divisões.

Para enfrentar esses desafios e avançar, Nóvoa enfatizou a necessidade de novos ambientes educativos, diferentes dos ambientes tradicionais que ainda prevalecem nas escolas.

Ele defendeu que "nada disso se resolve com soluções externas", pois, segundo ele, "a mudança não vem de fora, vem de dentro". Esse processo de transformação deve ser conduzido, segundo o doutor, pela própria comunidade escolar, pelos professores e pelos alunos, através do fortalecimento da cooperação, do diálogo e da renovação das práticas pedagógicas.

Desdobramentos do Congresso

O primeiro dia de evento contou ainda com duas mesas redondas que discutiram temas como a formação de professores e o papel da filosofia na educação em tempos de crise, consolidando a posição do SESI-SP como um dos principais protagonistas no debate sobre o futuro da educação no Brasil.

A primeira mesa, intitulada "Formação de professores para a melhora do futuro: Distintas perspectivas", reuniu Letícia Sosa, professora da Universidad Autónoma de Zacatecas, Miguel Montes, professor da Universidad de Huelva, e Miguel Ribeiro, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a mediação de Adilson Dalben, diretor da Faculdade SESI de Educação. O debate apresentou diversas abordagens sobre o papel dos professores na construção de uma educação voltada para o futuro.

A segunda mesa, intitulada "Filosofia e Educação: aprender a viver em meio ao caos", contou com a participação de Sueli Carneiro, fundadora e diretora do Instituto Geledés – Instituto da Mulher Negra, e Cida Bento, diretora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e professora visitante da Universidade do Texas.

A discussão abordou como a filosofia pode auxiliar na compreensão e adaptação às crises e complexidades do cenário educacional contemporâneo, destacando a importância do pensamento crítico na formação dos cidadãos.

Entre a segunda e a terceira mesas, o evento foi marcado pela performance da cantora e compositora Luedji Luna, que apresentou, entre outros sucessos, a canção Banho de Folhas, com mais de 6 milhões de visualizações no YouTube.


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