O futuro do trabalho e da formação profissional nos países do BRICS foi tema do painel Skills Development for the Green and Digital Transition in Brics, realizado nesta sexta-feira (5), durante o BRICS Business Forum 2025, no Píer Mauá, no Rio de Janeiro. O debate reuniu lideranças do Brasil, China, Índia, Rússia e Irã, com foco em estratégias para enfrentar os desafios da dupla transição – digital e energética – nos países emergentes.
Abrindo o painel, o presidente do Conselho Nacional do SESI, Fausto Augusto Junior, afirmou que essas transformações devem ser compreendidas como uma reconfiguração estrutural do mundo do trabalho. Para ele, os BRICS têm uma dupla oportunidade: reposicionar suas economias na cadeia de valor global e, ao mesmo tempo, promover inclusão produtiva e desenvolvimento social.
“O Brasil tem vantagens comparativas extraordinárias, como uma matriz energética majoritariamente renovável e grande potencial em fontes como hidrogênio verde, biomassa, energia solar e eólica”, afirmou. Mas, segundo Fausto, essas vantagens naturais só se tornarão competitivas com investimento, inovação, infraestrutura e qualificação da força de trabalho.
No campo digital, ele alertou para os ciclos tecnológicos cada vez mais curtos e disruptivos, o que exige uma nova abordagem da formação profissional. “Precisamos construir ecossistemas de aprendizagem permanente, articulando empresas, governos e instituições de ensino, como fazemos no Brasil com o SESI e o SENAI, e colocando o trabalhador no centro da transformação”, completou.
Fausto propôs três frentes de atuação para o setor empresarial dos Brics: criar ambientes de aprendizagem dentro dos locais de trabalho; estabelecer parcerias com instituições de ensino e sindicatos para adaptar os currículos às novas demandas tecnológicas e sustentáveis; e incorporar compromissos com a transição digital e energética como parte central da estratégia de negócios.
Questionado sobre o papel dos governos, o presidente do Conselho Nacional do SESI chamou atenção para dois desafios estruturais: o impacto territorial da transição e a retenção de talentos. “Nos países dos Brics, há regiões industriais maduras que já enfrentam esvaziamento econômico. Sem políticas específicas de reconversão produtiva, a transição pode agravar essas assimetrias”, alertou.
Sobre a fuga de cérebros, Fausto foi enfático: “Se quisermos liderar a dupla transição, precisamos reter e atrair cérebros — e não exportá-los”. Para ele, isso exige um pacto entre Estado, setor produtivo e instituições de conhecimento, capaz de valorizar os profissionais e inseri-los em projetos de alto impacto social e tecnológico.
Na sequência, o CEO da Keeta, Tony Qiu, apresentou a experiência da Meituan, empresa chinesa que conecta mais de 700 milhões de usuários por ano e alcançou 120 milhões de acessos em um único dia. Ele destacou o uso de algoritmos para otimizar a logística e melhorar a experiência dos clientes. “Se uma entrega passa de 20 minutos, reembolsamos o cliente. Confiamos plenamente na nossa tecnologia”, disse.
Qiu também anunciou um investimento de US$ 5,6 bilhões no Brasil nos próximos cinco anos, com a criação de uma rede logística com mais de 100 mil trabalhadores e a instalação de um centro de atendimento no Nordeste. “Queremos formar talentos locais com acesso às tecnologias mais avançadas”, afirmou.
Representando a Índia, Onkar S. Kanwar, presidente da Apollo Tyres e do Brics Business Council indiano, defendeu o protagonismo humano na transição digital. Segundo ele, “a inteligência artificial é apenas uma ferramenta — o que realmente importa é a qualificação das pessoas.”
Kanwar compartilhou o modelo indiano de cofinanciamento da formação técnica: o governo subsidia 40% do custo da formação e libera os 60% restantes após a contratação dos profissionais. Para ele, a articulação entre políticas públicas, setor produtivo e educação é fundamental para enfrentar o desemprego e a escassez de mão de obra qualificada.
A presidente da Brics Women’s Business Alliance da Rússia, Anna Nesterova, destacou que as mulheres têm forte presença em setores como saúde e educação em seu país, mas ainda são minoria nas áreas de tecnologia. “Mesmo com o avanço no acesso à educação, a participação feminina em inteligência artificial e economia digital segue abaixo de 20%”, disse.
Nesterova defendeu políticas de formação digital voltadas às mulheres e o incentivo à presença feminina em posições de liderança. Ela citou como exemplo uma empresária russa do setor farmacêutico que lidera uma indústria totalmente automatizada com mais de 50 mil metros quadrados.
Encerrando o painel, Majid Ghassemi, CEO do Bank Pasargad e presidente do Brics Business Council pelo Irã, defendeu que a tecnologia seja tratada como política pública estratégica. Ele citou a digitalização de documentos e processos administrativos como exemplo de como a inovação pode gerar eficiência, sustentabilidade e melhor experiência para o cidadão.
“A atual transição exige marcos legais modernos, articulação multissetorial e investimento coordenado entre os setores público e privado”, afirmou. Para Ghassemi, a tecnologia tem potencial para impulsionar o crescimento nacional e abrir novas oportunidades de trabalho se for usada como instrumento de desenvolvimento econômico.
O painel, moderado pela vice-presidente de Finanças e Relações com Investidores da Cemig, Andrea Almeida, reforçou o entendimento de que as transições verde e digital nos países do Brics demandam coordenação entre governos, setor produtivo e instituições de conhecimento. A qualificação da força de trabalho, o equilíbrio territorial e a valorização da diversidade foram destacados como pilares essenciais para uma transformação sustentável e de longo prazo.